sexta-feira, 18 de abril de 2008

Cuidado com a onça, que a onça te pega, te pega daqui, te pega de lá...

Auge da adolescência, entre treze e quatorze anos, porte físico atlético, pernas grossas como de uma saracura, olhos de águia, fome de aventura.
Rambo? Tarzan? O Fantasma?O menino do Rio? Não.
Eu! Aventureiro colorado.
Em um sítio com um amigo, decidimos caçar uma onça junto com o caseiro. Fenomenal, a primeira caçada de nossas vidas.
Uma onça importunava os pobres e indefesos bezerros do local e assombrava a todos. Nós, muito machos e aventureiros, nos prontificamos a sair com o caseiro para fazer justiça com as próprias mãos. Enquanto ele foi buscar sua espingarda e seus dois vira-latas espertos, nos munimos com duas facas afiadas de cabos de marfim. Como a do Tarzan. Não éramos os príncipes da selva, mas achávamos que estávamos entre essa linha, meio Rambo, meio Tarzan.
Fortes, esqueléticos e desnutridos, seguimos em frente para nossa missão. Entramos mata adentro na calada da noite e chegamos há um local que era um pequeno caminho já formado entre o mato, à frente dele, nos deparamos com duas trilhas, era como se fosse um buraco entre as folhagens, como uma passagem cilíndrica e retilínea morro acima. À distância de uma entrada para outra, era aproximadamente de quinze metros se não me falha a memória. Já em silêncio, o matador de chácara ficou na primeira entrada com sua cara de despreocupação, eu e meu amigo fomos para outra entrada.
Senta que lá vem historia.
Diferente do caseiro, falávamos igual um papagaio naquela situação.
Tiramos as enormes facas da bainha e fomos para a outra saída, do lado oposto que o chupa-cabra havia ficado.
“Só para constar, essa letais armas brancas deviam ter quinze centímetros no máximo”.
Ali paramos, ficamos a ouvir o tilintar dos bichos e toda orquestra florestal. Além destes barulhos, sentíamos o sereno nas folhas e a brisa gelada do inverno. Fitamos os olhos na trilha e aguardamos ansiosamente os acontecimentos já premeditados.
Você deve estar pensando, como um caseiro sairia com uma arma, e ainda permitiria que acompanhássemos com facas. Explico, ele apenas perguntou o que íamos fazer com aquilo nas mãos, e se o pai do meu amigo “dono do sítio”, tinha autorizado nossa aventura. Nós dissemos que era obvio que ele tinha autorizado, não só autorizado, mas pedido que acompanhássemos toda operação. Assim aprenderíamos todo processo para futuras investidas nas matas.
Foi assim. Éramos praticamente os Rambones do momento. O caseiro um matuto e meio manguaçado, meu amigo com a condição de filho do dono. Ficou fácil.
Sendo assim, o dito cujo olhou para cima com um gesto de pensador e coçou a cabeça, arrancou um capim do mato e saiu com ele na boca. E nós dois atrás.
Quanto a nossas armas, tínhamos apenas quatro opções. Um abridor de garrafas enferrujado, um par de varas de pescar, uma inchada cega e as facas afiadas do Tarzan.
O que você escolheria?
Continuemos.
No silêncio, o caseiro estava abaixado com o capim no canto da boca e nos olhando meio de rabo de olho. Nós dois estávamos distraídos na esperança que ele achasse a danada e botasse ela para correr.
“Naquela época eu não tinha muita noção de cidadania, proteção ambiental, preservação e derivados. Não me dava conta que a onça era um animal e sentia dor como todos nós sentimos, nem pensava no assassinato da pobrezinha, apenas queria uma aventura. Que fique claro que não sou um ” humanista * “, que sou totalmente contra caça predatória e qualquer judiação com animais e seres humanos. Abomino integralmente”.
Voltemos.
Começamos a ouvir um barulho de animal correndo entre as folhagens, ficamos apreensivos, eufóricos e pensamos:
- Lá vem a onça.
Olhamos para o caseiro, e ele na mesma posição de sempre e com a mastigada campisística. O barulho continuava.
E o caseiro mastigando capim.
E o barulho aumentava.
E o caseiro mastigando capim.
Nossa euforia e entusiasmo diminuíam a medida em que o som das folhagens aumentava. Prestamos mais atenção e reparamos que o barulho estava na nossa trilha.
Mais uma vez, olhamos para o caseiro ele continuava abaixado mastigando seu capim.
De repente, percebemos as folhas sendo amassadas em nossa direção, olhei para meu amigo, ele olhou pra min, olhamos para o caseiro com o capim no canto da boca, e começamos a correr em direção a ele. O espaço no caminho era estreito, meu amigo era maior e ocupava toda circunferência do trajeto, o que dificultava minha ultrapassagem, mesmo sendo mais ágil. Naquela correria, com a faca na mão e já entrando em desespero, eu seria o primeiro a ser rasgado pela onça, nisso, o vulto do animal começou a se aproximar e mais uma vez pensei comigo mesmo “Já era”.
Aproximamos do caseiro, que continuava abaixado, mastigando o capim e com aquela cara de “songa”, o animal passou entre nossas pernas com uma velocidade absurda, e quase nos derrubou no mato. Sorte nossa que passou direto.
Quando vimos o felino enfurecido, tivemos uma visão holística do acontecimento. Constatamos que o animal possuía a estatura de um dos vira latas do caseiro. Então, descobrimos. Era o vira lata do caseiro.
Os cachorros subiram pela trilha que o caseiro montava guarda, e depois de muito tempo, desceram pela nossa trilha, que ficava do outro lado do caminho.
Que alívio.
Pega Rex!

* Tigre, tigre de brilho ardente...